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Todos temos os nossos próprios demônios, nossos próprios problemas. E foi ao observar meu primo de 10 meses de idade, que observei o quanto certos demônios, mesmo após anos mais tarde, ainda assombram minha vida. Hoje vou seguir um conselho do aclamado comediante Louis C.K. e vou sair da minha zona de conforto, que é fazer posts nerds abordando tecnologia e jogos.

Sobre a família

Vim de uma família problemática. Minha mãe engravidou deste que vos escreve aos 15 anos de idade e na época meu pai tinha 24 anos. Ambos irresponsáveis. Minha mãe cabulava o ensino fundamental pra ficar com rapazes, e meu pai cabulava a escola pra ficar na rua. Terminou que ambos não completaram o ensino fundamental. Bem, deu pra perceber que a minha vinda ao mundo não foi muito bem planejada, não é? Ou como eu gosto de lembrar: fui o fruto de uma ‘rapidinha’ com a filha da vizinha que deu errado.

Na verdade, o problema de uma família estruturada não parava em meus pais. Minha avó materna não tinha parentes. Tinha sido adotada na infância pra trabalhar como empregada de sítio por uma família em Sergipe,  e depois de toda exploração trabalhista infantil, veio para São Paulo procurando uma vida nova. Já meus avós paternos, a situação era mais complicada. Meu avô largou a esposa com os 6 filhos para viver a vida dele, em uma pequena cidade de Minas Gerais.

Quando eu nasci, fui adotado pela minha avó materna. Minha mãe na época só pensava em baladas e rolês, e meu pai fazia de conta que eu não existia. E é aqui que chegamos na origem dos meus problemas. Minha avó era uma mulher pobre, acabando de comprar o próprio barraco em uma favela de Osasco. Moramos no mesmo local por 20 anos de idade. Aliás, ainda moramos aqui. Não na mesma casa de pau a pique com problemas de infiltração, mas em uma casa bem estruturada com um bom espaço para uma família de 3 pessoas: minha avó, minha tia e eu.

Nos meus 12 anos, minha mãe decidiu sair de casa após diversas brigas com a minha avó. Na verdade, até eu com minha pouca idade, não concordava com o tipo de vida que minha mãe levava. No total eram 7 filhos. Eu, o mais velho, vivendo com a minha avó e mais 6 meninas, sendo que destas, 2 moravam com a avó paterna. Hoje eu posso encontrar com a Talita e a Tamires na rua, e não vou reconhece-las.

Sobre o preconceito

Comecei a ir pra igreja desde criança com a minha avó. Aos 7 anos de idade, fui aprender violino e estudar música clássica, mas minha avó não tinha condições financeiras de me dar um instrumento. Aprendi e toquei até os 12 anos de idade com um violino emprestado pela igreja, visto que eu não podia comprar um. No ano seguinte, eu era mente em evolução: queria trocar do violino pra viola clássica e já me imaginava tocando violoncelo também, mas isso me trouxe novos problemas na igreja, visto que mais uma vez eu não podia arcar com os custos de um instrumento novo. Acabou que ganhei de presente da igreja uma viola clássica, e após uma longa conversa com os responsáveis da igreja, tive que me contentar com esta e descartar a possibilidade de aprender violoncelo.

Até meus 16 anos de idade, eu não era bem aceito na comunidade da igreja. Era o garoto pobre da favela, e só tinha mais 2 amigos da comunidade que se encaixavam em um perfil financeiro como o meu. Era aceito na comunidade por ser músico. Aliás, ser músico era um problema. Na igreja, músicos devem usar ternos para tocar com a orquestra e eu só tinha um único terno para usar em todos os cultos que eu participava da igreja.

Fui bem educado pela minha avó, e isso foi fundamental para minha adolescência. Mesmo com um único terno, aos 16 anos de idade eu era impecável, bem arrumado e educado, e com isso fiz boas amizades com alguns adolescentes. Porém, nunca arrumei uma namorada. Mesmo bem arrumado ao ponto de fazer o Barney Stinson ter orgulho de minha pessoa, os boatos corriam, e nenhuma garota queria namorar ou sair com um garoto pobre. E isso seguiu até os 20 anos de idade, quando decidi abandonar o barco e sair da igreja. Estava abandonando não só um princípio religioso, mas também meu hobby de músico. Tinha decidido de que não valia a pena aturar isso e outros absurdos que existem em uma comunidade evangélica.

Na escola não era muito diferente. No sexto ano do ensino fundamental, minha tia tinha ganhado de aniversário 2 cachorros labradores filhotes, e a gente não tinha condições para criá-los, então decidimos doar ambos. Nisso, encontrei em minha turma de sala, 2 irmãs gêmeas que queriam adotá-los, porém mal sabia que elas iriam buscar os cachorros em casa. Na semana seguinte, a sala toda sabia que eu morava em um barraco, e foi uma das humilhações que tive que aturar. Sem contar as piadinhas. Eu tinha alguns amigos sinceros e foi bom contar com um apoio na época. A maior parte dos comentários vinham por parte das garotas da sala, mas o que eu podia fazer? Life goes on, right?

E no que eu pensei hoje ao olhar para meu primo? Que ele não vai precisar passar por muitas humilhações como estas que eu tive que passar. Sobre fazer um curso técnico e ter que ir 2 semanas a pé para a escola de Osasco até a Vila Leopoldina, quase 3 horas andando. Sobre ter que passar o final de semana na casa do amigo pra poder utilizar o computador dele, para poder fazer trabalhos do curso técnico de programação. Sobre ter medo de trazer alguma namorada ou garota em casa para apresentar para minha avó, com medo dela não gostar da minha casa ou da minha vida e me dispensar. Na verdade, só trouxe uma garota na minha casa quando era um barraco e fui eternamente grato por isso não mudar os sentimentos dela para comigo.

Tive quem me ajudou nesse caminho todo e sou eternamente grato por isso. Pelo Denis, por me emprestar seu computador e sua casa aos fins de semana para que eu pudesse estudar; pelo José, Davi e Bruno, por serem meus amigos de infância e terem me apoiado em todos esses problemas; pela Elizabeth, a única garota que eu trouxe na minha casa, por ter me ajudado com dinheiro para condução ao saber que eu estava indo estudar a pé; e a uma senhora da igreja que até hoje eu não sei seu nome, mas que também doou algum dinheiro para minha avó para que eu pudesse estudar.

E eu espero que isso nunca se repita para meu pequeno primo e um possível filho que eu possa ter algum dia. Foi doloroso ser um adolescente que não tinha um video game, um computador, ou que não podia ir ao Play Center com a turma da escola. De fato, muita coisa se repete: minha tia, mãe do meu referido primo, não casou com o pai dele, então ela trabalha 12 horas por dia pra dar o melhor para garoto. Logo, minha avó tem que cuidar do pequeno. Mas enfim, quem tem uma família perfeita?

Minha ideia neste post não foi viver mágoas passadas, mas sim retratar um outro tipo de preconceito que existe na sociedade. Alguns anos atrás, eu teria vergonha de conversar sobre tudo isso. Mas parafraseando o Chorão: “Um dia a gente cresce, conhece a nossa essência e ganha experiência, aprende o que é raiz e aí cria consciência.”.